Com promessa de mais segurança, eficiência e conforto, a Mercedes-Benz começou a testar na vida real de um corredor BRT de 20 km em Amsterdã, na Holanda, o seu ônibus autônomo, capaz de dirigir, frear e acelerar a até 70 km/h sem a interferência do motorista – que permanece no lugar para tomar o controle do volante sempre que necessário. A maior cidade holandesa, que tem o maior BRT da Europa Ocidental, foi escolhida pelo caráter inovador de suas propostas de mobilidade urbana e porque o governo do país abriu seu território para receber testes de veículos autônomos.
Apresentado à imprensa internacional na segunda-feira, 18, na própria cidade onde ele começa a ser testado, o Future Bus surge na esteira da aposta nos sistemas de direção autônoma feita por quase todos os fabricantes de veículos desde o início desta década. O Grupo Daimler é um dos precursores na aplicação da tecnologia: já lançou no mercado em 2013 novas gerações dos sedãs Classe E e S com diversas funções avançadas de assistência eletrônica ao motorista, em 2014 apresentou o primeiro caminhão autônomo, o Future Truck, e um ano depois o carro-conceito Mercedes-Benz F 015. “Há quase dois anos apresentamos o sistema Highway Pilot do nosso primeiro caminhão autônomo. Agora colocamos essa tecnologia no City Pilot, mas desenvolvemos funções adicionais, como parada automática nos pontos, reconhecimento de sinais de trânsito e detecção de pedestres para orientar frenagens e acelerações automáticas”, destacou Wolfgang Bernhard, presidente da Daimler Truck & Bus.
“Estamos desenvolvendo o Future Bus há dois anos, mas já partimos do muito que a companhia desenvolveu para outros veículos, que vem de muito antes. Essa é uma vantagem competitiva. Corporações menores não podem fazer o mesmo investimento, por isso talvez fiquem para trás e não sobrevivam a essa nova era tecnológica”, afirma Hartmut Schick, chefe da divisão de ônibus da Daimler. “Vamos manter essa pesquisa dentro de casa, porque acreditamos que isso é estratégico. Quem dominar melhor a tecnologia de autônomos e oferecer o sistema mais confiável vai superar a concorrência”, avalia. O desenvolvimento do ônibus autônomo está incluído no investimento de € 200 milhões que a Daimler Buses faz até 2020 em novos produtos.
Operando dentro do sistema controlado de um corredor BRT, apesar de ser um protótipo de linhas futuristas que leva pouco mais de 20 passageiros, o ônibus autônomo da Mercedes parece muito mais próximo da realidade do que os caminhões e ônibus que precisam trafegar com referências bem mais genéricas em ruas e estradas. A perspectiva de lançamento das primeiras unidades comerciais, no entanto, no cálculo de Schick só deve acontecer após 2021. “Ainda é preciso testar exaustivamente a tecnologia e criar uma legislação própria, que não existe para veículos autônomos e só agora começa a ser discutida na Europa. E mesmo assim a presença do motorista atrás do volante ainda será necessária por 10 a 20 anos adiante”, destaca o executivo. Ele não revela o quanto maior é o custo do modelo, diz apenas que o objetivo é reduzir ao máximo nos próximos anos para viabilizar a tecnologia.
Mas Schick adianta que antes da virada da década será possível lançar veículos com parte das funções autônomas. Para isso, segundo ele, até 2018 já está em curso na divisão o desenvolvimento de uma plataforma eletrônica global comum aos ônibus da Daimler. Com essa estratégia, países com grandes sistemas BRT como o Brasil – antes da recessão econômica o terceiro maior mercado mundial de ônibus, com média de 25 mil unidades/ano e pico de 32 mil em 2011 – entram no foco da companhia para incorporar à frota modelos que usam algumas das funções autônomas que estão sendo testadas agora em Amsterdã.
APOSTA NO TRANSPORTE PÚBLICO
Ônibus autônomo tem uma dúzia de câmeras, dois radares, comunicação com semáforos e usa navegação por satélite GPS de alta precisão
Os esforços do Grupo Daimler em desenvolver tecnologias avançadas para ônibus estão lastreados no esperado aumento de 50% da participação do transporte público na motorização do planeta até 2015. Entre 1995 e 2012 essa fatia já cresceu de 34,1% para 39,7% e a expectativa é de avanço mais acelerado nos próximos anos. A aposta é que o aumento da urbanização (mais da metade da população mundial já vive nas cidades) e os índices crescentes de veículos por habitante, especialmente nos países subdesenvolvidos como o Brasil, conduzam à maior procura por locomoção eficiente e confortável, como alternativa viável aos frequentes e insuportáveis congestionamentos, além da obrigatória redução de emissões de poluentes e gases de efeito estufa (CO2).
A empresa estima que os ônibus em BRTs irão atender à maior parte da demanda crescente por mobilidade urbana eficiente e sustentável, pois o sistema com corredores dedicados de tráfego são muito mais rápidos de serem construídos, além de custar quatro vezes menos do que os bondes VLT e 10 vezes abaixo dos custos de implantação de linhas de metrô. A desvantagem são as emissões dos motores diesel, fator mitigado pela maior economia de combustível dos veículos autônomos e que poderá ser contornado com o desenvolvimento de novos ônibus elétricos – a Mercedes-Benz deve lançar o seu em 2018.
“Os ônibus nem sempre são a opção de locomoção mais eficiente ou atraente à população. Por isso nos inspiramos com o Future Bus a promover uma revolução no transporte público, para oferecer conforto, pontualidade e rapidez, para mudar essa visão das pessoas. Queremos que elas mudem a frase ‘eu preciso pegar um ônibus’ para ‘eu tenho de tomar um ônibus’”, afirma Schick.
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
O ônibus autônomo para no ponto automaticamente e abre as portas, a luz verde indica que o passageiro pode embarcar e a vermelha que as portas vão fechar
Com design futurista por dentro e por fora, o Mercedes-Benz Future Truck já cumpre bem sua missão de tornar o ônibus mais atraente à população, ao menos do ponto de vista visual. Mas os principais avanços estão no sistema City Pilot, capaz de “enxergar” muito mais do que os olhos humanos podem ver. Rodando no BRT de Amsterdã, o resultado prático de toda a tecnologia de condução autônoma empregada pode ser sentido por uma vida a bordo muito tranquila, livre de trancos bruscos ou preocupação com a abertura de portas e distância da plataforma, pois tudo é automático, controlado pelo “cérebro eletrônico” do veículo. Iluminação que muda de cor – fica azul quando a direção autônoma está acionada –, carregadores de celular por indução, conexão wi-fi e telas que mostram informações da rota e do ônibus completam o ambiente tecnológico.
A inteligência artificial do Future Bus é orientada por uma dúzia de câmeras que fornecem imagens interpretadas pelo sistema, radares de curto e longo alcance que detectam possíveis obstáculos, além de navegação por satélite de alta precisão e comunicação direta com outros veículos e a infraestrutura viária, como semáforos, que podem antecipar condições de tráfego ou problemas adiante. Todas as informações captadas são fundidas para fornecer dados precisos ao sistema de gerenciamento que controla direção, freios e acelerador de forma autônoma até a velocidade máxima de 70 km/h.
Para se localizar e transmitir os comandos à direção autônoma, o Future Bus usa a navegação por satélite dGPS – mais precisa do que o GPS comum –, aliada a uma câmera atrás do para-brisas que monitora a faixa de rodagem e quatro outras câmeras de posicionamento instaladas nos alto do veículo. O sistema de condução autônoma continua a funcionar mesmo quando o ônibus entra em túneis e perde o sinal do satélite, pois as imagens seguem orientando o volante.
Para monitorar pedestres, veículos, placas de trânsito, semáforos e pontos de parada adiante, o Future Bus usa outro conjunto de sensores. Uma câmera dupla (estéreo) interpreta o cenário até 60 metros à frente, enquanto o radar de curta distância identifica tudo que está a até 10 metros antes de o veículo começar a rodar – se alguém entrar na frente de repente, por exemplo, o ônibus freia automaticamente, mas suavemente, pois uma freada brusca pode causar acidentes com os passageiros no interior. Já o radar de longo alcance é capaz de antecipar obstáculos a até 200 metros. A comunicação com a rede de semáforos também é usada para antecipar paradas depois de curvas que o radar não capta. Dessa forma, as acelerações, freadas e trocas de marchas são mais suaves, calculadas para economizar combustível.
O Future Bus usa seus sensores para desacelerar e parar automaticamente nos pontos de embarque e desembarque com notável precisão, a 10 centímetros da plataforma. As portas abrem e fecham de forma automática. O sinal luminoso verde de ambos os lados da porta indica que o passageiro pode entrar ou sair, enquanto a luz vermelha avisa que as portas vão fechar.
No painel, o motorista humano de plantão monitora tudo que acontece em uma tela de 12 polegadas que mostra todas as informações e alertas de condução. Caso ocorra alguma falha no sistema de direção autônoma ou o ônibus comece a circular fora da rota programada, aparece um aviso para o motorista retomar o controle do veículo. Mas isso também pode ser feito a qualquer momento: basta segurar o volante ou pisar nos pedais do freio ou acelerador.
No teste no corredor BRT que liga o centro de Amsterdã com o Aeroporto de Shiphol, em linha que transporta 125 mil passageiros por dia, o Future Bus da Mercedes-Benz vai percorrer 20 km de forma autônoma com 11 paradas, 25 semáforos e três túneis no caminho. Portanto, não é um teste de laboratório, mas uma operação na vida real de um ônibus, mostrando que a direção autônoma está cada vez mais próxima da realidade – mesmo que seja com um motorista de plantão atrás do volante.